terça-feira, 13 de setembro de 2016

Desculpe, também preciso falar desse amor.


Foi só um jeito sincero de dizer obrigado por tudo que fomos e o que ficou em mim. É tão bonito reconhecer o amor que morou em nós. É tão importante que o outro saiba disso. Gregório Duvivier, em sua crônica nesta segunda, na Folha de São Paulo publicou uma carta a sua ex, Clarice Falcão, com o seguinte título: Desculpe o transtorno, preciso falar da Clarice. Caiu na rede e todo mundo quis deixar a sua opinião sobre o texto. Ninguém pediu a minha, mas também não resisti.     
Um texto cheio de amorosidade por tudo que ela representou. Por tudo que foram enquanto estiveram juntos. Dizer com todas as letras e sentimentos a frase “Parece que, pra sempre, ela vai fazer falta.” é abrir o coração pra ela, mas acima de tudo é poder viver outros tantos sentimentos que ainda estão por vir. Porque é reconhecendo a importância do sentimento do outro que ficou em nós, que nos conscientizamos dos nossos bons sentimentos que poderão ser compartilhados no futuro com outros amores, em outros encontros. 
Os dois se conheceram quando eram crianças, começaram a namorar quando ela tinha 20 e ele 23 anos. Realizaram mil projetos juntos, entre eles peças de teatro, curtas, além de outras tantas viagens. Em 2015 se separaram, mas a amizade nunca acabou. Clarice já foi homenageada publicamente uma outra vez. Desta vez, um dia antes do lançamento do filme que fizeram juntos, que reproduz uma certa história de amor, ele afirma que por pouco não chorou tudo de novo lembrando o tanto de Clarice que ele teve o privilégio de absorver. 
Terá sido especial para Clarice ler o que ele escreveu? Claro que sim, essa delicadeza é essencial para as relações amorosas e pessoais. Ninguém esquece ou rejeita ao que se diz com tamanha sinceridade e amorosidade. Encontraram-se, viveram juntos e seguiram vivendo.  Depois de tudo isso, só a certeza de que tudo começa e acaba, mas o encontro continua com todo o encantamento que ficou. 

domingo, 13 de maio de 2012

A vida anda exigindo muito dela. Aos 80 criou quatro filhos e de um deles nem soube que já se foi. Melhor assim, menos uma exigência. Não tem sido fácil viver exigindo vida de quem permanece em silêncio. Neste caso, fonte sem limite pra continuar existindo. Sem saber quando as exigências acabam ela encurta a vida. A gente tem idéia de que não há vida longa. Ela, nem mais pode exigir. Se pudesse exigia um pedido: faz ela existir.

terça-feira, 16 de março de 2010

Sei lá, a vida tem sempre razão para uma boa viagem

Final do dia, início de mais uma noite igual a tantas outras. No ponto de ônibus todo mundo é igual. Alguns minutos de espera e lá vem quem vai te levar para o melhor lugar.

O caminho nunca é tão longo que não possa te surpreender com alguma novidade, nem tão curto que não possa inspirar. Nesse momento de volta para casa o que mais se pode esperar senão o solavanco que adianta o sono até o ponto final.

A chuva lá fora sinalizava para um bom tempo de espera. Mas dentro do ônibus o tempo parou. Com o calor e as caras cansadas das pessoas em ponto morto, o silêncio era comovedor. Ninguém esboçava um movimento sequer. Nos rostos, sinal de sorriso não havia. Alguns passageiros estavam recostados no apoio das poltronas, outros de janelas abertas olhando para o nada. Mulheres de olhos fechados talvez preocupadas com o jantar da família e muitos jovens esquecendo a viagem com seus fones de ouvido. O cansaço apontava para um único desejo – chegar rápido aos seus destinos. Mas o destino apronta.

Na Central entra no ônibus um rapaz de vinte e poucos anos com um instrumento musical dos grandes pendurado no pescoço. Entra pela porta de trás, se dirige ao trocador e pede em um tom de quase desespero e medo, se poderia tocar seu sax para os passageiros. O sobressalto foi geral. Bem perto de mim um deles arregalou os olhos. Um casal que entrara no mesmo ponto com um filho no colo não acreditou no que estava ouvindo e tratou de garantir o único lugar vago ao lado direito do corredor. Acomodados, músico e passageiros só restou ao motorista avisá-lo que precisava da autorização do fiscal daquele ponto para seguir viagem. De dentro do ônibus o músico reverenciou-o com um olhar maroto e levantou seu instrumento pra mostrar que poderia mudar o clima da viagem com um pouco do que sabia. Pediu licença a uma moça bonita que se posicionara à sua frente para ver no que aquilo iria dar e mandou ver. Ônibus em movimento, música no ar.

Em princípio eu esperava o tradicional “Carinhoso”, Doce de Coco e dá-lhe Kenny G. Mas qual foi a minha surpresa ao ouvi-lo de prima uma canção linda interpretada por Marisa Monte. Só sei dizer que no sax do menino ficou um arraso. Ainda como um peixe fora d”água o músico tentava pescar algum sentimento perdido por ali. Estratégia pra continuar o show. Acho que esperava alguma reação do povo, mas nada acontecia. De longe eu observava discretamente o rosto das pessoas para a aquele show improvisado no meio da Presidente Vargas em mais uma noite chuvosa no Rio.

Eis que o sax dispara Careless Whisper – de George Michael e alguém bem próximo começa a bater os pezinhos no chão. O menino de colo levanta o olhar para o artista esperando outro em sua direção, como se o som o embalasse. Uma estudante que fingia demonstrar irritação por estar em pé, logo cantarola em voz baixa o solo da canção reconhecida. Percebi então que ninguém era o mesmo com a presença daquele músico dentro do ônibus.

Entre uma parada e outra o artista apresentava um número diferente. Foram mais seis lindas canções da MPB. Um clima novo pairava no ar. Gente cansada deixando-se encantar pelo som bonito do sax. Gente prestando atenção em gente. Parece que a música mexeu um pouco com cada um. Já quase no fim do seu espetáculo e quem sabe do seu trajeto lança mão de uma canção de Toquinho e Vinícius – “ Sei lá, a vida tem sempre razão” e outra vez o encanto geral.

Fim de viagem para o artista e começo de outras reflexões para todos nós. O artista agradece, expressa um ar de quem deseja o reconhecimento, ainda que seja apenas um olhar de satisfação. Caminha no corredor e todos o parabenizam efusivamente oferecendo moedas como agradecimento. Fatura talvez uns 20 reais. Surpresa, o inesperado aconteceu e a platéia animada quase pede bis. A platéia só deseja ser feliz. (Ops, acho que esse verso vem de outra música!!).

Pensando cá com meus botões em como deve ser dificil ganhar a vida com música, descubro que bom mesmo foi ver o sorriso de volta no rosto daquelas pessoas por alguns momentos e o ar de felicidade do músico em agradar seu público. Foi bacana ver como as pessoas foram se entregando à musica. O cansaço foi colocado de lado e o que se via agora era um semblante mais alegre em cada passageiro.

Olhei pra trás e ainda deu tempo de ver todo mundo querendo saber o seu nome – Rodrigo, ele disse em sorriso aberto. Demonstrando total encantamento a platéia em coro desejou-lhe sorte e muito sucesso.

De volta para casa certamente todos nós chegamos de alma lavada e muito mais leve.

Sei lá, a vida tem sempre razão.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Vivo pra contar





Alguém disse que a vida é uma escola. Estou pensando em aproveitar a hora do recreio pra inventar histórias. Sempre fui fascinada pelas palavras e nada melhor que a hora do lanche pra observar o mundo. Olhos famintos são os meus. Mas é que o mundo tem sempre um bom motivo pra nos mostrar o essencial. Todo mundo tem esse poder. Não há receita ou medida exata para refazer e achar a expressão mais simples do que a vida nos apresenta. Não vale perder a cena seguinte. Misturo tudo e o texto quase me chama. Sinto que vou achar todas as palavras para as caras alegres das crianças que encontro pelo caminho, perceber o tanto que falta para acabar com a sisudez de quem se esqueceu de viver, rir junto com tantos outros que sabem viver, descobri a melancolia dentro das canções e perceber que nem precisam ser iguais as minhas, tentar desvendar os risos nas entrelinhas de tantas outras para que o texto possa fluir mais fácil.
E o que dizer das paisagens rápidas vistas pelo vidro do carro em velocidade, do pouso lento do pássaro no telhado do vizinho ou dos estranhos desenhos formados pelas nuvens no final de uma tarde ensolarada. Acho que posso achar a expressão mais simples de contar a vida. Escrevo em parceria com a vida porque gosto dela. Simples assim! Quero viver pra contar a vida.

Aliás, bom mesmo é ouvir a música "Mais Simples de José Miguel Wisnik (músico, compositor, ensaísta brasileiro e também professor de Literatura brasileira da USP), através do Grupo Vocal - 26ª Oficina de Música de Curitiba, com Arranjo e regência de Vicente Ribeiro.



domingo, 17 de janeiro de 2010

Bilhetes


Sinto saudades. Saudades dos seus bilhetes. Saudades de quando as palavras tinham mais sentido. Quando os verbos eram pra conjugar verdades. Quem sabe mentiras para o outro ser mais feliz. Eram bilhetes que chegavam de surpresa. Palavras que chegavam de repente para alimentar o coração. Um coração que só interpretava paixão.

Hoje sinto saudades dos melhores bilhetes que traduziam o melhor dos sentimentos. O que dizer sobre a frase “Agora desejo um beijo e o silêncio da minha boca na tua...” A mensagem batia fundo. Era o bilhete que chegava desvendando todos os desejos do beijo. Como era difícil encontrar uma explicação rápida para um sentimento que durava o tempo exato da emoção. Nem mais, nem menos. As vezes as melhores respostas viam em forma de lágrimas com muitos beijos.

Sinto saudades das mudanças de estação. Cada uma delas era motivo para um bilhete apaixonado. Chegavam para desafiar as previsões. Nunca para adivinhar o que ainda estava por vir. Não eram bilhetes previsíveis. Descobríamos juntos que eram necessários. Com o tempo exato para manter o clima de romance no ar. A Primavera começava no horário certo, às 15h43. Era o exato momento em que a inspiração surgia em forma de verso. Versos como este por exemplo: “ Para os outros a primavera começa hoje, às 15h43. Para mim ela existe desde quando você me polinizou, instaurando vida, cor e perfume em minha vida” Por isso nem queiram imaginar o que significou o Outono para mim. É só disso que sinto saudades. Saudades do que representaram todos os bilhetes.

Mas foi também assim que um dia todas as palavras se foram. Junto com o seu último bilhete não sobrou um verbo para conjugar. Nada sobrou do verbo amar. Erramos a terminação e agora só nos resta flexionar a vida e aprender um pouco mais sobre o que significa reler todos esses bilhetes que nos fazem sentir saudades.


(Inspirado no Bilhete de Noel Rosa postado para ilustrar o texto)



domingo, 27 de dezembro de 2009

Segredos de um Almoço de Natal


Todos os anos o almoço de Natal é parecido com o outro que passou. É quando a família se reúne para saborear o que sobrou das iguarias escolhidas para se comemorar a data no dia anterior. Depois desse almoço barulhento a conversa corre solta. Permanecemos à mesa para ouvir a histórias contadas pelo meu pai. Novidades quase nenhuma. Sempre sabemos o que vamos ouvir. São histórias sobre as suas brincadeiras de criança, a vida difícil da família, a luta de sua mãe pra sustentar os 11 filhos sozinha, etc.

Como somos filhos orgulhosos e felizes, ouvimos tudo como se fosse pela primeira vez. Respeitando essa vontade que ele tem de atrair os olhares e a atenção de todos a sua volta. Quase sempre conhecemos o roteiro, mas desta vez ele nos surpreendeu. E a conversa ganhou ares de revelação.
Conversa vai, conversa vem, nos deparamos com mais uma daquelas lembranças do tempo da caserna. Lá pelas tantas, ele nos apresenta ao período em que serviu como sargento ao 2
º Regimento de Cavalaria de Guardas Andrade Neves, no Rio de Janeiro. Lá pelos idos de 58 ou 65, não me lembro bem. Ao relembrar sua passagem por lá destacou um momento vivenciado naquele ambiente militar. Dizia ele que por lá havia um preso político que ele desconhecia o nome naquele momento. Um daqueles homens condenados pelo seu grande entusiasmo em adotar pensamentos humanistas. Comunistas diziam à época. Cabia ao sargento de plantão a rotina de levá-lo escoltado para às refeições em locais reservados dentro do quartel. Foi exatamente durante um dos seus plantões que ele conheceu esse homem com cara de intelectual e boa gente. Palavras dele. Ao acompanhá-lo este homem aproveitou para fazer-lhe um pedido. O homem desejava apenas um livro para ler. Um livro, qualquer que fosse. Durante o caminho, sem pestanejar prometeu resolver o seu problema. Não contou a ninguém o ocorrido e passou meses repassando seus livros de leitura para o tal homem de conversa inteligente.

Achei tão interessante a história que queria detalhes sobre o homem que lia os mesmos livros que meu pai. Tentei descobrir quem era o homem que contava com sua ajuda. Mas ele não soube me dizer. Confirmou apenas que entre os livros cedidos, estava um dicionário que ele guardara até hoje como lembrança daquela estranha amizade. Um dicionário com diversas correções. Segundo o humanista eram correções de palavras que não se adequavam bem ao seu vocabulário. Grifos em vermelho indicando que elas estavam escritas com erros. Meu pai não soube explicar porque ele insistia em fazer essas correções em um dicionário. Seria ele um profundo conhecedor da língua portuguesa? Um professor ou quem sabe essa era apenas uma atitude que o ajudava a passar o tempo na prisão? Curiosa, perguntei onde estaria esse livro. Mas sem entender bem a minha curiosidade, prometeu que iria procurar com calma o velho dicionário rabiscado.

Fico imaginando quem terá sido esse homem que contou com os livros da biblioteca particular de meu pai. Por outro lado que atitude bonita a dele em querer ajudá-lo, apesar de contrariar todas as regras impostas pelos seus superiores.

Por tudo isso resolvi fazer esse registro. Com certeza, este ano não foi um almoço de Natal igual aos outros. Ouvimos uma história curiosa e diferente. O que será que este senhor de 81 anos ainda tem a nos revelar. É esperar o próximo almoço de Natal para conferir.

Que venha 2010

Fim de ano e a única decisão tomada com segurança neste restinho de dias no calendário é a suspensão das famosas listas para 2010. Todas colocadas de lado. Fim de ano precisa ganhar outra importância. Acho que somente a certeza de que o próximo não será igual ao que passou. Nada será como antes. Tudo precisa ganhar novo sentido. Como uma onda do mar que se refaz. Um mar de novos acontecimentos.

Se o mar se renova, nós também temos esse direito. Quero um ano novo renovado. Faz sentido. O ano de 2009 já cumpriu a sua missão. Essa onda já passou e depois dela ficaram somente as lembranças boas. Além de outras tantas que talvez só precisam ser guardadas dentro do coração. Foi também um ano de acomodações. Acomodações de sentimentos, no bom sentido. Sentimentos que vão se ajeitando com o tempo. Foi um ano de perdas, separações, mas também de muitas descobertas. Descobri por exemplo que amei demais. Meus filhos perceberam isso. Ouviram de mim muitas vezes aquelas duas palavrinhas que hoje movem um caminhão de emoções. Confesso minha máxima culpa em não reconhecer o quanto elas precisavam ser ditas. Foi um tal de TE AMO pra lá, TE AMO pra cá. Só quem nos conhece sabe o que vai dentro de cada emoção que sentimos juntos depois de tudo isso. Somos três pessoas diferentes, vivenciando emoções diferentes com um amor igual. Descobri que agora estou bem melhor, mas continuo amando vocês do mesmo jeitinho.

Voltando às listas. Suspendi todas elas e adotei o pensamento positivo. Puro e cheio de boas intenções. É assim que tem quer em 2010. Nada de anotações e checklists. Quero alguns simples desejos. Um ano com a possibilidade de muito trabalho já me faria feliz. Quem sabe apenas a tranqüilidade do espírito em compartilhar o amor que mora dentro de mim ou a serenidade de entender o que o mundo quer me ensinar. Ensinamento maior terei de fato, no próximo ano, quando 2010 chegar. No mais, prefiro acreditar que será um presente como todos aqueles dias de sol em que acordamos de bem com a vida. Que venha 2010!