sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

DESEJO E REPARAÇÃO

A tradução correta para o título do livro de Ian McEwan é REPARAÇÃO, mas não tenho nada contra a palavra DESEJO criada para complementar o título do filme na versão brasileira. Teve gente que criticou.
Na seqüência para a telona da cena da transa dos dois personagens fica quase óbvio que aquele calor se traduz em muito desejo guardado. Perfeito se a justificativa vem daí. Mas fico cá pensando o quanto tem de beleza outras tantas cenas e relatos no livro que vão além disso. Que texto! Uma obra-prima!
É inegável que a cena dos dois na biblioteca é de um erotismo profundo. Cenas irresistíveis de se ver. Mas uma coisa que eu admiro em um autor é o poder que ele tem de transcrever uma idéia ou um sentimento de forma tão envolvente. Eu diria – e nem sei se é isso que acontece – que se trata de uma inspiração que surge quase que por impulso e que resulta no prazer de escrever. É a palavra fazendo valer a sua total liberdade de expressão. É o exercício de sua vontade se deixando aflorar. Será que isso é o que chamamos de fantasia em literatura? Saber contar histórias é uma arte. Há que se ter um poder quase mágico para nos convencer disso.
Quanta beleza na forma romanceada de escrever a seqüência em que Robbie, involuntariamente, se lembra do seu objeto do desejo chamado Cecília. Foi com tamanha perfeição que o diretor Joe Wright conseguiu traduzi-la cinematográficamente. No livro, o autor também entregou-se a uma fantasia cinematográfica. E tudo ficou sublime e comovente.
“Depois que voltou do trabalho, passou mais de uma hora imerso na água tépida enquanto seu sangue e – era impressão que dava – seus pensamentos aqueciam a água.”
Além disso irresistível o poder deste autor de nos fazer entender o quanto aquele sentimento havia atingido o personagem (Robbie).


“Robbie já via em sua mente a rua feia, longe dali, o cubículo recoberto de papel de parede com flores, o guarda-roupa sombrio, a colcha de algodão, os novos amigos empolgados, quase todos mais moços que ele, os tanques de formol, os auditórios cheios de ecos – e, em tudo aquilo, a ausência de Cecília.”

“Contra sua própria vontade, levou o livro à altura do nariz e respirou fundo. Poeira, papel velho, cheiro de sabonete em suas próprias mãos, mas nada dela. Como chegara àquele ponto, àquele estado avançado de fetichismo do objeto amoroso “

Mas o livro é muito mais que isso. Uma trama bem escrita, com tempo para nos surpreender e emocionar com passagens onde vemos erotismo, emoção, paixão, mentiras que fazem sofrer, mal-entendidos que causam mágoas, sentimento de culpa, tentativa de busca do perdão e reparação.


Uma obra-prima que merece ser lida e um belo filme que não deve ser esquecido.
  • Para conferir alguns bons momentos do filme descobri esse link

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